Conheça a história da biomédica Mariana Silva, CEO da Planty Beauty, que desenvolve produtos biotecnológicos unindo cuidados e sustentabilidade
Dados divulgados pela UNESCO apontam que apenas 30% dos cientistas no mundo são mulheres. No Brasil, apesar das bolsas de produtividade em pesquisa do CNPq estarem em sua maioria nas mãos do público feminino (75,5%), apenas 7% desse número é ocupado por mulheres pretas. A biomédica baiana Mariana Silva conhece essa realidade de perto. Mulher negra e soteropolitana, a trajetória como cientista não foi fácil e, até os dias de hoje, alguns obstáculos ainda aparecem pelo caminho.
Atualmente mestranda pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) no programa de Ciências Médicas, Mariana Silva pontua que o machismo e o sexíssimo apareceram em diferentes etapas da sua atuação como cientista e empreendedora. Um exemplo disso, é a ausência de mulheres, sobretudo negras, no corpo docente das instituições e como referências importantes para as diversas áreas acadêmicas.
“Hoje, na USP, eu não me vejo, não me sinto parte da história que contam ali, as principais representações, os chamados patronos do curso, são homens, brancos e mais velhos. Então eu não estou ali, sou mulher, negra, cientista, com 30 anos lidero uma startup, mas parece que a sociedade quer sempre mais de nós para considerar os nossos feitos como referência”, desabafa a biomédica e CEO da startup Planty Beauty.
Para a biomédica, a falta de representação feminina nos espaços de poder gera angústia e desmotivação, independente do grau técnico em que esteja atuando. Essa inquietação sentida por Mariana a acompanha desde os primeiros anos de graduação e se mantém nos dias de hoje na atuação no mestrado, como estudante e cientista, e também nos espaços de trabalho em que atua como empresária.
Antes da atuação como CEO da Planty Beauty, os obstáculos enfrentados por Mariana geraram grandes traumas. A biomédica relembra que chegou a ser expulsa do primeiro mestrado em que ingressou pelo seu orientador, pois desconhecia os processos intrínsecos a essa etapa da academia. “Eu precisava de uma orientação de como fazer a aplicação para se qualificar e não tive retorno, busquei uma terceira pessoa para me auxiliar e isso não o deixou muito feliz. Então ele me mandou um e-mail comunicando que eu não fazia mais parte do programa como aluna dele. É um trauma que eu carrego até hoje”, detalha.
Com um histórico acadêmico que conta com vivências internacionais, Mariana destaca que as dificuldades que enfrenta como pesquisadora apareceram logo nos primeiros anos da graduação, ainda como pesquisadora voluntária, ela relembra que o processo foi denso e quase a fizeram desistir do seu sonho. “No início foi um desastre! Não tive nenhum apoio, nem daqueles que deveriam ser meus orientadores. Me desiludi completamente sobre a possibilidade de ser uma cientista. Me graduei e guardei meu diploma na gaveta”, conta a biomédica.
Antes da desilusão total com a graduação, Mariana Silva buscou outras experiências e expandiu seus estudos para a América do Norte. Durante um ano, a biomédica integrou o programa Ciências sem Fronteiras, na University of Manitoba, no Canadá, como aluna visitante. Conhecido como “período sanduíche”, nessa etapa, o estudante realiza parte de seu trabalho em uma universidade fora do país de origem, para aproveitar e experienciar novas infraestruturas e condições de pesquisa.
As vivências na maior universidade da província de Manitoba rendeu conhecimentos e experiências únicas, mas embarcar nessa nova fase gerou algumas complicações no andamento da graduação aqui no Brasil. Mariana quase perdeu a oportunidade de se graduar. “Passei o intercâmbio no Ciências sem Fronteiras e, mesmo sendo proibido, a faculdade me expulsou porque eles não permitiam o trancamento do curso e eu tive que buscar isso na justiça. Tudo isso é muito doloroso e traumático, mas eu não desisti, estou buscando um caminho para construir a ciência como eu acredito que tem que ser”, conta.
Ao retornar para o Brasil e concluir a graduação, Mariana decidiu direcionar as suas experiências para outro setor, passou a se dedicar ao mercado empresarial. A mudança não foi apenas na área de atuação e estudo, a biomédica se aventurou em outra cidade: São Paulo. “Ao chegar na capital paulista, entrei de cabeça no mundo corporativo, fiz um MBA e cheguei a trabalhar em um banco. Mas eu, que gostava tanto da ciência, do trabalho em laboratório, mesmo com as dificuldades, resolvi novamente mudar a rota e encarar os desafios de quem opta por fazer pesquisa neste país”, destaca Mariana Silva.
Na capital paulista, inserida no universo empresarial, a biomédica abriu a sua primeira empresa junto com dois sócios. Essa experiência gerou novos transtornos para Mariana e mostrou para a empresária que no mundo dos negócios o machismo é tão forte quanto na academia. “Era uma empresa voltada para a pesquisa e desenvolvimento de ativos farmacêuticos, eu fundei na época do mestrado e não recebia nada ainda de retorno financeiro. Eu usava meu dinheiro pessoal para estruturar a empresa e eu não era vista como igual pelos meus parceiros de trabalho, então, por diversas vezes, sofri gaslighting e não tinha reconhecimento pelas minhas ações para e com a instituição”, conta a biomédica sobre um dos períodos mais complicados da sua jornada até aqui.
A empresa em questão segue em atividade sob responsabilidade de outras pessoas e Mariana saiu desse empreendimento sem receber a sua parte com valores devidos, muito menos o reconhecimento pelo empenho para o pleno funcionamento da entidade. “Eu era a única a colocar dinheiro e todo mundo tinha participação igual nos lucros, mas eles trabalhavam infinitamente menos que eu. E o tempo todo me diziam ‘você não sabe o que está fazendo’, ‘essa ideia não é boa o suficiente’. Eu sugeria algo, eles não aceitavam e depois, a mesma ideia, apresentada por um conselheiro era aceita”, relembra sobre a primeira desilusão como empreendedora.
Apesar da relação entre “tapas e beijos”, forma como Mariana mesma resume o percurso que traçou até aqui, e segue trilhando no mestrado, a biomédica uniu a preocupação com o meio ambiente, a paixão pela ciência e o empreendedorismo, para criar a startup Planty Beauty, uma das primeiras empresas do país a utilizar matérias-primas inovadoras e ecologicamente responsáveis na produção de cosméticos sustentáveis. Para Mariana Silva, a nova etapa, como CEO, a ajudará a levar a ciência para todos e todas de uma forma mais limpa, responsável e consciente.
“Estamos vendo que é possível apresentar uma nova forma de aproveitar os recursos naturais, sem a degradação e os impactos gerados pela indústria química que atualmente fornece boa parte dos insumos para os produtos que são comercializados. A Planty quer questionar a forma como a produção dita natural acontece e mostrar que a biotecnologia pode fazer esse processo ser escalável, rentável e sustentável ao mesmo tempo”, explica Mariana Silva.
As expectativas para o futuro são as melhores, Mariana Silva acredita no potencial da equipe e pretende expandir a atuação que vem fazendo junto aos sócios, o químico paulista Otto Heringer e o farmacêutico Rodolfo Franco. Apesar dos desafios impostos pelas barreiras que surgem ao fazer ciência sem um laboratório próprio e sem o estereótipo de pesquisadores mais seniores – já que a equipe tem por volta de 30 anos -, os planos de crescimento envolvem também a expansão para América Latina e do Norte.